Na rua havia uma grande calmaria, as arvores estavam mais verdes do que nunca e o céu estava tão claro que já não havia mais espaço para as nuvens.Sempre acordava cedo, não tinha problemas com a cama e o dia estava maravilhoso, nem me lembrava ao certo que dia se passava, tinha aparência de ser um dos longos domingos do ano, a rua estava calma e por minutos já não se passava nenhum carro por ali, o zumbido era resultado de um grande silencio que não acabava nunca, sempre me falavam que o silencio acalmava, mas o zumbido era inquietador.Diferente dos domingos não me levantei, fiquei ali deitado esperando os passos suave de pés passarem pela porta do meu quarto e ser atraído até a cozinha pelo cheiro forte de café.Tive tempo de dormir e acordar por duas vezes, tempo para pensar, pensar em como a vida seria bem melhor se todos os dias fossem tão calmos como aquele, ou se vivêssemos em tribos perdidas do mundo como a dos Sentineleses.Uns dizem que a liberdade não existe, outros dizem que a liberdade não é poder fazer o que se quer, mas fazer o que se pode fazer, talvez os Sentineleses não se preocupem com a palavra liberdade, querem apenas viver.Ainda tive tempo para desejar belas canções de amor no lugar do zumbido, tempo para pensar em assuntos que não geram assuntos, tempo para pensar em como o pensamento é monótono e solitário, para pensar em não querer mais pensar,não querer mais dormir.Levantei, rodei a casa por varias vezes, não havia sinal de ninguém ,cansado de procurar, me sentei a beira da escada onde o sol era bem forte, e como o tempo me incomodava naquela escada, passei a pensar, pensar sobre o tempo.O tempo é como uma vida, ele acorda cedo, almoça ao meio dia, e dorme ao anoitecer, seja em Roma ou no Vietnã, tem três filhos e não os amam igualmente, está sempre acompanhado pelo filho do meio, esquece do filho mais velho, e sempre deixa o filho mais novo pra depois, talvez o tempo nunca tenha nascido e não tenha hora para morrer ,o certo é que agora sempre me farei uma pergunta, será que é a vida que faz o tempo, ou o tempo que faz a vida? O mundo ficava cada vez mais distante nos momentos em que eu pensava, não tinha intenção de sentar em algum lugar e pensar , ninguém tem intenção, apenas pensamos por falta de algo melhor ,e no momento o algo melhor seria estar na cozinha tomando café e conversando até não ter mais nada do que falar, e estranhamente não sabia porque de ninguém estar na cozinha preparando o tal do café, ou o porque de uma manha tão calma e vazia
Já não estava mais na escada ,estava perambulando pelas ruas procurando alguém, e ao mesmo tempo admirando as coisas que eram tão diferentes, parei em frente a uma casa e fiquei observando, parecia ter recebido uma pintura nova, um cinza bem claro, e as portas de madeira escura cor tabaco. O conjunto de cinza claro e portas escuras me remetia a uma grande caverna, essa analogia me fez parar bem ao centro da rua e pensar, é muito estranho olhar para uma casa como uma tecnologia, e é mais estranho ainda pensar que nossas cavernas de milhares de anos atrás hoje são casas ,que nossos micro-ondas já foi simplesmente o fogo e a nossa caça se tornou o supermercado, creio que os homens das cavernas viviam para sobreviver, não havia comida se não houvesse caça, não havia casa se não houvesse cavernas, mas nem por isso haveriam choros, hoje o homem das casas vive para o sistema, não há comida se não houver dinheiro, não há casa se não houver dinheiro e haverá muito choro.Não queria saber por que o nosso fogo virou micro ondas ou por que não queremos morar mais em cavernas, o que me deixava curioso era o fato de que a milhões de anos atrás tudo pertencia a tudo e a todos, um simples pé de maça plantado em uma terra no meio do nada era um simples pé de maça pertencente ao planeta na qual ninguém tinha intenção de ter direito sobre ele, mas todos poderiam desfrutá-lo ,era apenas um simples pé de maça plantado no meio do nada, hoje eu diria que o mesmo pé de maça é um pé de maça plantado no terreno do meu vizinho na qual esta exclusivamente no seu direito de colher maça ou até mesmo descobrir a gravidade.
Eu estava ali no meio da rua estático, olhando para aquela casa, quando dei conta da realidade percebi que o silencio já não tinha mais o som inquietante de zumbido, o som do vento incomodava mais os meus ouvidos, passei a ouvir sons de pássaros, som de folha de arvore cair ao chão, tudo se tornava cada vez mais vivo a medida que ia distinguindo os sons da vida, e como poderia eu sentir falta de algo que eu nem conhecesse ,vivemos tentando compreender a vida sem conhece-la ,quem importaria com um simples som de folha de arvore batendo ao chão se tua mente não há lugar para mais nenhuma outras folhas a não ser das folhas de contas que vencem amanhã, ou as folhas de um dólar que faz comprar outras folhas de ações.Deixei de pensar por alguns minutos e passeia a caminhar em direção da praça principal, olhando tudo em volta tudo era tão limpo e puro, qualquer pessoa vivendo em condições tão belas acreditaria que tudo isso nos motivaria a viver cada dia mais, mas estava angustiado, pois o que nos motiva a viver não é correr para qualquer lugar onde não haja problemas, ninguém se motiva a viver por isso, vivemos para tentar sermos super-heróis, tentar parar o mundo de seus problemas, acabar com toda a poluição do mundo, com a intolerância...Vivemos para criar problemas, acreditamos que os problemas ira alimentar o mundo por mais tempo até atingir a perfeição, vivemos apenas para obtermos respostas, da onde viemos, onde estamos e para onde vamos, e por isso o mundo se move como uma locomotiva, a cada metro de trilho uma pergunta, mas o ponto de parada nunca chega, pois não existem respostas.O pensamento se apagou da minha mente e quando olhei pela minha frente, estava vendo algo que a minutos procurava ,uma praça repleta de pessoas conversando, crianças correndo de um lado para o outro e sorrindo, neste momento esqueci do mundo ,meu olhar estava cada vez mais concentrado na harmonia e na paz que se encontrava na praça, fui caminhando até o centro e sentei, a grande atenção que havia naquelas pessoas gerava um grande silencio em meu olhar, seus lábios estavam dentro de uma competição de risos e gritos eufóricos de alegria.Em uma parte da praça um senhor me chamava atenção, ele brincava com varias crianças e parecia estar contando historias, era um sujeito simpático e sorridente, tinha barbas e cabelos longos, tão brancos que refletiam ao sol.Quatro pombos brincavam nos fios dos postes ,faziam formatos de partituras, fiquei observando suas movimentações por muito tempo, e nenhum pensamento veio em mente neste período, fui aproximando até chegar bem perto. Quando estava bem perto, algo me chamou atenção, nada tinha me chamado tanta atenção como aqueles pombos, tinham o formato semelhante a qualquer outro pombo, mas eles possuíam uma perfeita lista azul que cortava o peito, pareciam tarjas de remédio, nenhum pensamento do momento poderia me fazer chegar a resposta do porque pombos com lista azul no peito, não conseguia entender o porque do dia tão calmo, ou por que os pés de maças não pertencem mais a todos, ou ate mesmo o que significava a palavra liberdade, realmente não conseguia entender muitas coisas a respeito do mundo mas sempre conseguia aceita-las, mas como entender e aceitar pombos tão distintos do que é a realidade? por que será que a evolução teria tanto prazer em brincar com aqueles pombos? talvez Deus tenha algo a dizer sobre eles.Estava novamente estático, sem nenhuma reação olhando aqueles pombos brincando de felicidade sobre os fios, no mesmo momento uma menina se dispersava do grupo onde o senhor simpático contava historias e se dirigia até a mim, ela parou ao meu lado e me cumprimentou com uma voz suave
_Olá senhor
Olhei em teus olhos largos e chamativos, não me eram estranhos, tinha a impressão de conhece-los, e com um pouco de demora retribui seu comprimento
_Olá garota tudo bem?
_tudo bem senhor, posso lhe contar uma Historia?
_claro
Animada a menina começou a contar uma história, mas ainda estava ali estático com a cabeça em outro lugar tentando aceitar os pombos, e talvez teria entrado pela minha cabeça umas três ou quatro palavras do inicio da historia.
_Era uma vez dois amigos...
Continuava pensando, eram tão normal as atitudes daqueles pombos, eram como qualquer outro, mas ao mesmo tempo era tão perfeito aquelas tarjas retangulares que cortava o peito e que causava tanta estranheza, não eram tão mais belos do que os outro nem menos belos, mas causava uma profunda estranheza que parecia ser lei que a cada pessoa que passassem sobre eles deveriam refletir, como se reflete quando se lê um poema que tenta preencher a vida.
Depois de muito tempo refletindo e a menina ao meu lado contando sua história, senti um puxado na barra da camisa, era a menina tentando chamar a minha atenção
_Moço, Moço...
Saí daquele estagio de reflexão e olhei atentamente para a menina
_Moço, gostou da História?
Sem graça por não ter dado atenção a historia e para não desapontar a menina que contava a historia com muito ânimo perguntei
_Desculpe poderia contar o finalzinho da Historia novamente?
A menina fez que sim com a cabeça, um gesto também muito familiar, e assim
completou a história:
_”Então o amigo lhe falou que não havia motivos para chorar, que a sua mãe tinha lhe explicado como era o céu ,lá tudo é bonito e bem diferente, até os animais...”
Neste momento em meu rosto apenas silêncio, e em minha mente nada mais do que aceitar aqueles pombos que brincavam de fazer música sobre os fios do poste.
(Rangel Eduardo Santos)